terça-feira, 13 de março de 2012

Mary Daniel

Maria Irma Lopes Daniel nasceu em 20 de julho de 1911. Era argentina, da cidade de Salta. De tradicional família circense, estreou no Circo Ventura, de propriedade de seus pais. Tinha apenas seis anos de idade e cantava acompanhada por um violino, tocado por seu irmão.

Já mocinha, passou a se arriscar em números de trapézio, a grande especialidade da família Lopes. Mesmo morrendo de medo, fazia um difícil número, o passeio aéreo. Não gostava, preferia cantar e dançar no chão mesmo, onde não corria nenhum perigo.

E foi também no circo que estreou como atriz. Fazia pequenos papéis nas representações dramáticas, que aconteciam na segunda parte do espetáculo. Representava tradicionais melodramas circenses como Honrarás tua Mãe, o espetáculo em que estreou o comediante Oscarito.

Com o fechamento do Circo Ventura, Maria Irma e a irmã Alba mudaram-se para a Europa. Lá aprenderam bailados típicos, ginástica, balé clássico e acrobacia, com professores famosos. Dominadas as técnicas, as irmãs estrearam na França, em teatros e palcos de cinema. Depois, seguiram para Itália e Espanha, onde já foram apresentadas como atração principal do Gran Teatro, em Madri. O que as diferenciava era que não executavam só giros e saltos mortais, mas também faziam números com comicidade. O sucesso da dupla era enorme. Mary, além das acrobacias, também fazia números de bailado, típicos, como a clássica zarzuela espanhola.

No Brasil, Mary & Alba estrearam no cineteatro Roxy, no centro do Rio de Janeiro, na companhia dos comediantes Genésio Arruda e Tom Bill. Mas foi com Jardel Jércolis que a dupla ganhou os palcos brasileiros. Contratadas pelo empresário, as irmãs estrearam, no Teatro Carlos Gomes, no início da década de 1930.

No elenco da Cia. Grandes Espetáculos Modernos, de Jardel, a dupla era apresentada como legítimas vedetes espanholas. O êxito foi tanto que o nome da dupla subiu para primeiro plano nos programas das peças, acima de toda a companhia, composta por artistas consagrados como Aracy Côrtes, Sílvio Caldas, Olga Navarro e Lódia Silva.

Mary também começou a representar em números de cortinas e esquetes cômicos. Surgia, discretamente, uma vedete. Era uma mulher de beleza rara. Loura, dona de olhos verdes cor de esmeralda, postura impecável, resultado do trabalho como acrobata. Das revistas em que atuou, destacam-se Angu de Caroço (1932), Traz a Nota! (1933), Alô... Alô... Rio? (1934) e o sucesso Goal! (1935), de Nestor Tangerini.

No ano de 1935, casou-se com Juan Daniel, na Espanha. Juan era atração da companhia, cantando tangos. A família da moça foi contra e a paz familiar só veio depois do nascimento do primogênito, Daniel Filho.

Mary ficou na Cia. de Jardel Jércolis até o início da década de 1940. Depois montou uma companhia com o marido (ele cantando tangos e boleros), para se apresentar em cassinos.

Após a proibição dos cassinos (1946), milhares de artistas ficaram desempregados, e a classe médio-burguesa ficou sem divertimento. Foi quando Juan e Mary levaram o teatro de revista para a zona sul do Rio de Janeiro, mais precisamente para Copacabana.

Em 1949, inauguraram o Teatro Follies, com a revista Já vi Tudo!. Era um teatrinho pequeno, do tipo teatro de bolso, pois Juan não tinha muito dinheiro. Foi quando Mary se lançou como autora de revistas, sob o pseudônimo de Alberto Flores. É que Mary gostava mesmo era de escrever, uma paixão velada desde os tempos de menina.

Suas peças fizeram muito sucesso, com elenco reduzido, mas extremamente selecionado. Conseguiu juntar no palco Elvira Pagã e Luz del Fuego, que resultou numa explosão de bilheteria. Também alçou ao estrelato Zaquia Jorge que, inspirada no Follies, abriria seu próprio teatro em Madureira.

Da necessidade nasceu a estrela: quando alguma artista faltava, ou deixava a companhia antes do término da temporada, lá estava Mary, para substituí-la. Seu espírito empresarial sabia o quanto era importante se envolver de corpo e alma na companhia. E aos poucos, foi se consolidando como vedete.

Entre os sucessos do Follies, estão: A Verdade Nua (1952); Boa-noite, Rio! (1950); O Que é Que o BikiniTem? (1953); É Rei, sim! (1951); Eva no Paraíso (1950) e Tira a Mão daí (1952).

Com o fim do Follies, em meados de 1950, o casal continuou com companhia própria,
no mesmo esquema. Um dos últimos grandes sucessos no gênero foi O Negócio é Bitebite, em 1961.

Com o desaparecimento do teatro de revista, Mary se recolheu das atividades artísticas, fez algumas aparições na televisão, como na novela Fogo sobre Terra (1974), na Rede Globo.

 Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano.

Beatriz Costa, a vedete de dois países

– Me pega no colo!...

Pega-me ao colo é uma frase simples, infantil. Mas se quem a diz é Beatriz Costa, que feito menina mimada pede colo aos espectadores, a tal frase simples entra no vocabulário popular, passa a ter os mais inesperados significados. E uma revista que se vai estrear, nesse ano de 1938, terá  inevitavelmente como título Pega-me ao colo.

Beatriz Costa nasceu Beatriz da Conceição em 14 de dezembro de 1907, em Portugal, numa aldeia chamada Charneca do Milharado, relativamente perto de Lisboa. 

Aos 15 anos estreou, com o apoio da família, como corista do teatro de revista, em Chá com Torradas, no Éden Teatro de Lisboa, seguindo em excursão com a companhia para o Alentejo e para o Algarve. Foi o famoso revisteiro Luís Galhardo quem a batizou com o nome artístico de Beatriz Costa.

Em 1924, ela já estava atuando no Teatro Maria Vitória de Lisboa, na revista Rés Vês e sendo preparada para fazer números mais importantes, pois a mocinha levava muito jeito e evoluía rapidamente.

No dia 24 de julho de 1924 embarcou, com a companhia, no navio Lutelia rumo ao Brasil. Ficou aqui até 1926. Estreou no Rio de Janeiro com as revistas Fado Corrido e Tiro ao Alvo. Pela sua graça e interpretação foi bem recebida pelo público e pela imprensa carioca. Consolidou seu nome e sucesso com revistas e operetas como Piparote; Disparate; Aqui d’el Rei; O 31; De Capote e Lenço; Tintim por Tintim; O Gato Preto; As 11 Mil Virgens; Rataplan.

No entanto, não foi dessa vez que Beatriz Costa ficou no Brasil. Voltando a Portugal, com reputação de grande artista, passou por várias companhias ao lado de renomados artistas, como Nascimento Fernandes, Manoel de Oliveira e Eva Stachino, quando obteve grande popularidade com o número D. Chica e Sr. Pires, ao lado de Álvaro Pereira.

Em 1927, talvez influenciada pelo furor que o corte à la garçonne de Margarida Max provocou, Beatriz Costa estreou no cinema, com um novo corte de cabelo que se tornaria sensação entre as mulheres: o franjão. A partir daí, como se diz em Portugal, toda a gente sabe o que significa ter uma franja à Beatriz Costa.

A sua segunda visita ao Brasil foi com a companhia portuguesa de Eva Stachino, em 1929. Novamente, a imprensa noticiou o sucesso da atriz, relembrando sua passagem pela América do Sul. Em solo brasileiro, o grupo apresentou a revista Pó de Maio; Lua de Mel; Meia-noite; Carapinhada e A Mouraria, entre outras. Após as apresentações em São Paulo, foi convidada por Procópio Ferreira a integrar a companhia de comédias do ator, mas recusou a proposta.

De volta à Europa, Beatriz Costa fez um documentário chamado Memórias de uma Atriz, contando episódios de sua carreira.

Mas era o teatro a sua grande motivação: "Acordada ou dormindo, o meu sonho constante era o teatro. Absorvia-me todos os pensamentos. Das minhas pupilas não se apagava o fulgor das apoteoses, a atitude, o sorriso, a plástica das estrelas".

Sua atuação no teatro português continuava intensa. Trabalhou, também, com a famosa atriz Corina Freire e atuou nas revistas A Bola; Pato Marreco; O Mexilhão; Pirilau.

Em 1936, estrelou a peça Arre Burro, com grande sucesso.

Em 1939, Beatriz Costa retornou pela terceira vez ao Brasil, dessa vez para uma temporada que se prolongou por 10 anos, a qual considerou os melhores anos da sua vida. Trabalhou durante muito tempo no Cassino da Urca, no Rio de Janeiro.

Considerada uma sedutora de plateias, Beatriz Costa divertiu o público carioca e se firmou como uma profissional da alegria, como ela mesma se intitulou em livro autobiográfico: "Nunca gostei de contar a minha vida a estranhos… É mais do que isso… É um livro de verdades duras, que conta muito do que se tem passado comigo, para lá da cortina de seda… Profissional de alegrias... é natural que não me detenha em episódios dramáticos".

Do alto de seu 1,53 m de altura, a vedete dos dois países somou o amor do público português ao do brasileiro e construiu uma trajetória digna de respeito.

Morreu aos 88 anos, em 15 de abril de 1996, em Lisboa.

Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano.

Pepa Ruiz, a Pavlova Brasileira

Josefa Maria do Rosário de La Santíssima Trindad Ruiz Puebla era espanhola de Andaluzia e nasceu em 13 de agosto de 1904. Seu apelido desde criança era Pepa, apelido de todas as Josefas espanholas.

Quando tinha 8 anos, Pepa e a família se mudaram para Portugal, porque o pai, Don José, morreu em Cuba e a família estava com problemas financeiros. Em Lisboa, Pepa estudou dança, impressionou os professores, ganhou prêmios e foi enviada de volta à Espanha para estudar com uma famosa coreógrafa.

Com o fim da Primeira Guerra, voltou a Lisboa, onde estreou profissionalmente como bailarina na ópera Aida, estrelada pelo famoso tenor Tito Schipa. Usou o nome artístico Pepa Ruiz.

Aos 16 anos, já era bailarina, atriz e, também, coreógrafa. Casou-se com Artur Rosa Mateus, ator e bailarino (e futuro dramaturgo e maestro) do teatro de revista. Nesse mesmo ano, veio ao Brasil, para se apresentar no Teatro Recreio, com Salada Russa. Ao final da temporada, Pepa, grávida, desmanchou seu casamento e resolveu ficar por aqui.

Em janeiro de 1921, estreou, como atriz e bailarina, na revista carnavalesca Reco Reco, de Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes, no Teatro São José, ao lado de Otília Amorim, Alfredo Silva e Pinto Filho. A peça foi um sucesso e Pepa, como bailarina, foi chamada de Pavlova Brasileira.

Atuou na reprise do estrondoso sucesso O Pé de Anjo. Em março de 1921, nasceu seu filho Roberto Ruiz que, anos mais tarde, se tornaria um grande revistógrafo. Pepa voltou aos palcos na revista portuguesa De Capote e Lenço. Foi elogiadíssima pela crítica e fez carreira extensa em revistas, como, por exemplo, Água no Bico!..., sucesso da temporada junho/julho, no Teatro Carlos Gomes.

Com sua popularidade em alta, houve certa confusão com a outra Pepa Ruiz, que anos antes havia sido a maior estrela do teatro de revista brasileiro. A velha Pepa, já doente, quis conhecer a nova. O encontro se deu no Hotel Avenida, onde residia a estrela do passado. Fumando um charuto, a velha Pepa conversou com a moça. Descobriram, além da mesma paixão, outras coincidências como o mesmo nome José (Pepe) de seus pais.

Pepa assinou contrato com a prestigiada atriz caricata Alda Garrido e experimentou um novo gênero: a burleta. Além de atuar com Alda Garrido, participou das companhias de revistas de Otília Amorim e Margarida Max. Fez Amendoim Torrado (1925); Amor sem Dinheiro (1925); Turumbamba (1926); Ilha de Amores (1926); Quem Manda é o Coronel (1926); Olha à Direita, entre outras. Seu grande sucesso foi Luar de Paquetá (1924), de Freire Jr., onde lançou a famosa marcha-rancho de mesmo título.

Aos 30 anos, já era uma das mais requisitadas atrizes de nosso teatro (musical e declamado). Trabalhou com Procópio Ferreira em Deus lhe Pague, de Joracy Camargo, com a Companhia de Vicente Celestino, e fez várias revistas com Aracy Côrtes e outros famosos.

Na década de 1940, depois de fazer revistas com Beatriz Costa e Mesquitinha, fez sucesso como atriz no teatro declamado. Incursionou, inclusive, pelo rádio. A partir de 1951, voltou a Portugal como empresária de companhias brasileiras. Levou Alda Garrido para Lisboa, viajou por diversos países, atuando, administrando, comandando. Administrou as companhias de Aimée e Joana D´Arc.

Organizou, em 1957, uma excursão da Cia. Brasileira de Revistas pela Europa e países de língua portuguesa na África. O sucesso foi absoluto. Pepa Ruiz liderava o elenco composto por Antônio Spina, Berta Loran, Gracinda Freire, Almeidinha e outros. Durante todo o ano de 1957 fizeram temporada africana.

Em 1958, estrearam em Portugal, com a revista Fogo no Pandeiro, de Max Nunes, J. Maia e seu filho Roberto Ruiz. Os autores escreveram ainda mais três peças especialmente para a companhia. Ao fim da excursão pela África e Portugal, fez nova ida à Europa indo à Espanha, França e Alemanha, contratando artistas brasileiros e os promovendo nesses países.

Pepa Ruiz, além de estrela da revista, foi uma mulher comprometida com o teatro brasileiro. Pelo seu incessante trabalho como atriz e empresária era muito querida no meio artístico.

Em 1959, ao completar 40 anos de carreira, foi homenageada no Teatro Carlos Gomes. Na ocasião, estiveram presentes mais de cem atores e personalidades teatrais, num desfile artístico até então inédito: Oscarito, Aracy Côrtes, Aimée, Pascoal Carlos Magno, Dercy Gonçalves, Jayme Costa, Manoel Pera, Mário Lago, Procópio Ferreira, Rodolfo Mayer, Vicente Celestino e tantos outros.

Nos anos seguintes, consolidou a carreira de administradora. Encarregou-se das companhias de Eva Todor e também de Dercy Gonçalves.

Em 1977 foi nomeada administradora do Teatro Dulcina, que o SNT recém adquirira. Ela ocupou esse cargo até sua morte, em 26 de dezembro de 1990.

Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano.

Maria Lino, a rainha do Maxixe

Maria Lino era italiana e se chamava Maria Del Negri. Chegou aqui com 14 anos, como dançarina do Alcazar Lyrique. Entrou para a história do teatro musical brasileiro como coreógrafa, considerada uma das maiores expoentes do maxixe – a dança proibida.

Ela estreou no teatro de revista no final do século XIX. Um dos seus primeiros sucessos foi na revista Abacaxi (1893), de Moreira Sampaio e Vicente Reis, no Teatro Apolo (RJ). 

Essa revista satirizava Barata Ribeiro, o primeiro prefeito do Rio de Janeiro (1891-1894) e tinha grandes atores no elenco como Brandão (o popularíssimo), Rose Villiot, João Colás e Matilde Nunes.

Fez várias outras revistas, mas a sua inscrição definitiva como vedete e na história do teatro de revista se deve mesmo ao maxixe (a dança erótica). Não foi apenas pelos seus dotes artísticos que ficou em evidência. Sua beleza impressionava. Era elegante, sensual e provocadora, ao mesmo tempo. Logo no início de sua carreira, teve um caloroso relacionamento com um rico e influente fazendeiro paulista que, para satisfazer a amada, cobria-lhe de joias e roupas caríssimas.

Mas, no finalzinho do século XIX, Maria abriu mão de todo aquele luxo e dinheiro. Desmanchou o compromisso com o fazendeiro para namorar o grande ator Machado Careca. Conhecido por sua feiúra. Careca se apaixonou perdidamente pela jovem vedete. No espetáculo Zizinha Maxixe (1897), a dupla se tornou célebre por lançar o tango brasileiro Gaúcho também conhecido como Corta-Jaca, composição de Chiquinha Gonzaga:

Ai, ai, que bom cortar jaca! Ah!
Sim, meu bem ataca
Corta-jaca assim, assim, assim!
Corta, meu benzinho, assim, assim!
Este passo tem feitiço, tal ouriço
Faz qualquer homem coió
Não há velho carrancudo, nem sisudo
Que não caia em trololó, trololó!

Em cena, Maria Lino e Machado (que mais tarde escreveu os versos da canção) conquistaram o público divulgando a nova dança sensual, o ritmo que, em pouco tempo, ganhou os salões de dança da cidade para horror da sociedade conservadora que considerou o ritmo como chulo, grosseiro e selvagem. Alheia às más línguas, a dupla saía dos teatros e apresentava a dança lasciva também em chopes berrantes, salões e cafés-concertos do Rio de Janeiro.

Enquanto o maxixe conquistava os cariocas, Maria Lino dava continuidade à sua carreira no teatro de revista. Já fazia números de alegoria e começava a estrelar números de cortina. Atuou, já como vedete destacada em espetáculos do grande Arthur Azevedo, como O Jagunço (1898) e Gavroche (1899).

Com o nome consolidado na revista, Maria Lino fez incursões, também, no teatro dramático, como ingênua. Mas foi no musical que apostou todas as fichas de sua carreira.

A dupla com Machado Careca continuava a se apresentar nas Revistas. O maxixe estava na ordem do dia dos salões cariocas, e ganharia novo fôlego em 1906, quando estreou O Maxixe, de Bastos Tigres que, definitivamente, imortalizou o ritmo. Maria fazia a apoteose do espetáculo, lançando Vem Cá, Mulata. Foi um enorme sucesso, que consagrou não só o tango brasileiro, como também a musa desse estilo musical: Maria Lino.

Com o enorme prestígio alcançado como coreógrafa e representante do maxixe, recebeu proposta para uma temporada em Paris. Viajou e largou o apaixonado Machado Careca para trás.

Na França, Maria Lino encontrou um novo parceiro, Duque (um ex-dentista que preferia dançar). Apresentaram-se dançando maxixe, é claro, em casas noturnas e cabarés tradicionais de Paris. Foi um sucesso histórico. A dança caiu no gosto dos franceses que passaram a chamar de tango bresilien. Maria Lino ganhou o título de La reine du tango.

A temporada francesa se estendeu a várias outras cidades europeias, divulgando, sempre com sucesso, o nosso sensualíssimo maxixe.O regresso ao Brasil aconteceu em 1914. Maria Lino retornava diferente: mudara o nome artístico (agora Maria Lina).

Maria era mulher despojada e muito à frente de seu tempo. Era livre, tinha vida amorosa movimentada, não se prendia a ninguém. Não media esforços para conseguir o que queria. Era determinada e, de certa forma, despudorada. Um de seus muito apaixonados chegou a dizer: Era uma demônia. Possuía olheiras lânguidas, que traíam uma vida de vícios inconfessáveis.

Mas Maria não se conformou em ficar eternamente conhecida como dançarina de maxixe. Como a idade começava a pesar, lançou-se como autora teatral. Talvez, sua inspiração viesse de Cinira Polônio.

Em outubro de 1915, estreou o espetáculo Ouro sobre Azul, no Teatro Recreio, alardeando em todos os jornais sua estreia como autora teatral. Além de assinar o texto, Maria também era a estrela da revista originalíssima, feérica, moderna. Foi elogiada pela crítica teatral. A peça fez um grande sucesso e elevou, ainda mais, o nome de Maria Lino (ou Lina). Há boatos de que a peça foi escrita por um revistógrafo experiente, em troca de favores amorosos. Mas histórias de alcova não são confiáveis. E esta suposta fofoca tem acentuado sabor machista.

A carreira de Maria Lino (ou Lina) seguiu até a década de 1920, quando diminuiu o ritmo de suas atividades. A dança se transformou em tema para teoria: ela dava entrevistas e fazia palestras sobre o maxixe: sua origem e desenvolvimento.

A partir dos anos 1930, passou a trabalhar como atriz em companhias de comédia. Uma das últimas companhias em que atuou foi a de Renato Vianna.

Maria Lino também fez cinema. Já bastante envelhecida, participou do filme Maridinho de Luxo (1938), da Cinédia, no papel de sogra do maridinho, o comediante Mesquitinha. Anos depois, faleceu, com idade bastante avançada.

Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano.

Cinira Polônio, a Divette Carioca

Não se pode chamar Cinira Polônio (1857-1938) de vedette, sem antes conhecer um pouco da sua história. Mulher inteligentíssima e avançada para o seu tempo recusou-se a seguir o modelo imposto pela sociedade da época e não se casou. Mesmo assim ou exatamente por isso, teve uma vida amorosa extremamente movimentada.

Independente, assumiu orgulhosamente a carreira de atriz no teatro musical, quando tudo ainda estava começando. Cinira foi uma das mulheres mais cultas e elegantes da época. Falava muito bem o francês e outros idiomas. Era também cantora, compositora e maestrina. Tocava harpa e piano. Além disso, era ousada, pois escreveu uma peça de teatro intitulada Nas Zonas, uma burleta (comédia de costumes com números musicais) que apelidou de revuette (revistinha em francês).

Fez muito sucesso nas duas primeiras décadas do século XX, ocupando o posto de primeira atriz na Companhia de Revistas e Burletas do Teatro São José. Seu nome aparecia no alto, em destaque nos programas da companhia.

Era famosa por dizer bem os textos, mas tinha voz pequena para cantar. Essa sua habilidade de diseuse, de falar bem os textos, era usada não para declamar textos clássicos, mas para ressaltar o duplo sentido, o picante das palavras no teatro de revista. Ela sabia, como ninguém, sublinhar as palavras mais picantes.

A crítica aclamava seu ar refinado, elogiando-lhe a beleza, a graça e a elegância. Cinira representou a síntese entre o erudito e o popular por reunir, em seus personagens, o refinamento e a malícia, uma elegância excitante entre a francesa e a brasileira.

Como atriz, fez comédias, operetas e burletas. E, sobretudo, encenou várias revistas de Arthur Azevedo. Nos palcos também se destacou com belíssimos figurinos e porte, principalmente nas revistas. Ela representava o ideal de uma boa parte da sociedade brasileira que gostaria de viver na Europa.

Dentre os diversos papéis que se destacou, podemos lembrar uma francesa sem-vergonha chamada Madame Petit-Pois da famosa burleta Forrobodó (1912). Pois essa personagem ia parar numa gafieira, falava um francês-português todo atrapalhado e ficava assanhadíssima com o Guarda. Prova de que o seu senso de comédia permitia dessacralizar o francês da elite. Vamos conferir uma pequena cena de Forrobodó:

Guarda – Madama, você me ensina um bocado de franciú?

Madame Petit-Pois – Moi ensina, moi ensina. Marquez moi un rendez-vous.

Guarda – Lá nas Marrecas não vou, e se for é de relance.

Madame Petit-Pois – Après le forrobodó, main-tenant je veux la dance. Avec moi
maxixê.

Apesar das interrupções para se apresentar em Portugal, atuou no teatro musical brasileiro até 1913, fazendo várias revistas de Arthur Azevedo como O Cordão; O Carioca; O Homem; Mercúrio. Também estrelou as revistas Comes e Bebes; Zé Pereira; Pomadas e Farofas; Cá e Lá; Chic-chic; Dinheiro Haja; Berliques e Berloques; Carestia, Ressaca e Companhia.

Foi um marco de liberdade e de emancipação feminina. Conseguiu escapar dos preconceitos. Fez muito sucesso. E morreu esquecida, no Retiro dos Artistas (RJ), em 1938.

Refinada e chic, era coquette, era divette. Mas quando essa brasileira piscava sensual e maliciosamente, era, sim... uma grande vedette!

Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano.

Aimée, o Diabinho Loiro

Henrique Fleiuss, caricaturista da revista Semana Ilustrada, sobre a passagem da vedette e atriz francesa pelo Brasil. Desta vez ela é uma cadela que sai do Alcazar perseguida por inúmeros cães.

A mais famosa das vedettes do Alcazar Lyrique foi Mademoiselle Aimée que, segundo revistas da época, era uma mulher provocante, de olhos cintilantes, nariz fino, boca pequena, pernas perfeitas, boa voz e muito inteligente.

Aimée brilhou no Rio de Janeiro durante quatro anos, entre 1864 e 1868, e foi a primeira grande estrela do Alcazar. Por causa dela, o policiamento do Alcazar foi reforçado e um comerciante português matou, a tiros, um soldado da polícia.

Pelo que se sabe, ela voltou rica para a França, levando jóias e mais de um milhão e meio de francos, que teria recebido como presente de seus fiéis admiradores brasileiros.

No dia em que ela foi embora, centenas de mulheres correram para a Praia de Botafogo comemorando e soltando fogos. Elas festejavam enquanto olhavam o vapor contornar o Pão de Açúcar e sumir no horizonte com aquele diabo loiro que havia seduzido seus maridos e lhes causado tantas tristezas e tanta choradeira.

Uma revista da época chamada Semana Ilustrada dedicou uma página inteira ao acontecimento descrevendo a situação em que se encontravam: "Mulheres ajoelhadas, agradecidas pelos céus; padres que voltavam tranqüilamente a rezar as suas missas; roceiros que regressavam às suas lavouras; empregados públicos que iam, de novo, assinar o ponto nas repartições; casais que se reconciliavam; estudantes que prosseguiam nos estudos; soldados que se lembravam de seus quartéis".

Mesmo depois da partida, Aimée continuou nos jornais, sendo protagonista de outros escândalos e histórias. Seus objetos pessoais foram leiloados e dizem que alguns alcançaram preços altíssimos, como um famoso criado-mudo que foi vendido por cem mil réis.

Até Machado de Assis acabou se rendendo ao seu fascínio e publicou, no dia 3 de julho de 1864, o seguinte texto: "Demoninho louro – uma figura leve, esbelta, graciosa – uma cabeça meio feminina, meio angélica – uns olhos vivos – um nariz como o de Safo – uma boca amorosamente fresca, que parece ter sido formada por duas canções de Ovídio, enfim, a graça parisiense, toute pure..".

O mesmo Machado, ainda escrevendo sobre o significado de seu nome, romantizou poeticamente: "...uma francesa que em nossa língua se traduzia por amada, tanto nos dicionários como nos corações".

Mas os méritos de Aimée se deram, não só pela beleza e pelas diabruras, mas também, por sua brilhante atuação no palco. Cantora lírica e dançarina, ela interpretou os grandes papéis femininos das operetas de Offenbach. Foi Eurydice em Orphée aux Enfers; foi Hélène em La Belle Hélène; fez Boulette em Barbe Bleue e foi Penélope em Le Retour d’Ulysse. A todas essas personagens ela sabia dar o tom brejeiro e malicioso, acompanhado de muito talento, técnica vocal e corporal.

Aimée ficou imortalizada nas cartas de seus admiradores, nas crônicas da época e nas palavras depreciativas dos juízes e guardiões da moral. Instalou-se no imaginário carioca como a bela francesa que associou a graça e a alegria de viver ao trabalho competente e profissional.

Ao lado de Aimée, a primeira grande estrela, outras francesas agitaram as noites cariocas e continuaram no Alcazar até 1886, quando foi fechado após um incêndio. De um jeito ou de outro, essas graciosas atrizes realizaram, alimentaram e estimularam sonhos eróticos masculinos. Mais: foram invejadas e admiradas pelas mulheres, no Rio de Janeiro do século XIX. Pois, como boas francesas, eram também elegantes e lançavam modas a ser copiadas.

O Alcazar apontou, ao teatro nacional, um rumo a seguir, despertando na sociedade carioca o gosto pelo mundo colorido e sensual do teatro ligeiro.

Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano

As primeiras vedetes

Primeiro elas eram estrangeiras. Francesas, para ser mais exata. Vieram com um empresário chamado Monsieur Arnaud que trouxe, em 1859, um tipo de espetáculo de variedades para o Rio de Janeiro, com números de canto, dança, ginastas e um corpo de baile de lindas francesinhas que levantavam a saia e mostravam as pernas envolvidas em justíssimas meias no ritmo do cancã.

Chegaram para se apresentar no Alcazar Lyrique, um teatrinho recém-inaugurado na Rua da Vala, perto da Rua do Ouvidor, no centro da então Capital Federal.

A primeira opereta francesa (a que inaugurou o cancã na França) foi o Orfeu no Inferno, de Ofenbach, e chegou na versão integral ao Brasil, alguns anos antes da Revista. Foi em 1865, sete anos depois da estreia em Paris (em 1858). Para aquela época, foi rápido demais!

Imaginemos nosso cenário: cidade do Rio de Janeiro, ainda pacata, no século XIX, ansiosa por progresso e querendo se atualizar com as novidades européias. Desde 1860, algumas ruas do centro carioca já eram iluminadas a gás. Conseqüentemente, a vida noturna se tornou possível, já que as pessoas poderiam andar mais à vontade, à noite.

Portanto, quando o Alcazar Lyrique foi inaugurado, o centro do Rio já estava iluminado havia cinco anos. A diversão noturna trazia uma cara de modernidade. E tudo que era moderno, naquela época, era importado da França. O Alcazar Lyrique e as novidades da boêmia francesa ofereciam ao público brasileiro o teatro da moda que foi, muito apropriadamente, chamado de Gênero Alegre. Porque ali se apresentavam números musicais alegres, populares, divertidos. Um Teatro de Variedades.

A boemia carioca entusiasmou-se com o glamour das belas francesinhas. E elas abafaram, quando fizeram uma opereta inteira, mostrando o espetáculo divertido com aquele cancã famoso que a gente conhece até hoje.

O que mais poderia ter acontecido no Rio de Janeiro do século XIX? Os homens (de todas as classes sociais) ficaram enlouquecidos com aquelas mulheres, é claro. No início, Machado de Assis fez campanha declarada contra aquelas meias tão justinhas que quase deixavam ver as próprias pernas!

Naquele tempo, as patricinhas e os mauricinhos eram chamados de jeunesse d’ orée (juventude dourada, em francês). Pois os rapazes da tal jeunesse d’ orée começaram a gastar rios de dinheiro no teatro que tinha o formato de um cabaret, ou seja, na platéia, em lugar de cadeiras, havia mesinhas com comes e bebes. Principalmente bebidas. O evento fazia a delícia do público masculino endinheirado (e também de outras classes e posses) que passava a noite fumando e bebendo cerveja.

Esse teatrinho – com formato de café-concerto ou cabaret – foi chamado de café cantante. E, a partir dali, a noite carioca nunca mais foi a mesma. A polícia teve muito trabalho.

Pela imprensa, as meninas do cancã foram chamadas de odaliscas alcazalinas e provocaram críticas severas por causa das piadas de duplo sentido (consideradas grosseiras) e pelos seus corpos que, para a época, eram considerados quase desnudos.

Elas ainda não eram vedettes. Chamavam-se cocottes essas novas deusas da noite. E deram muito que falar.

Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano